A publicidade desempenha um papel crucial nas relações de consumo, sendo responsável por promover produtos e serviços, mas também por influenciar as decisões dos consumidores. No entanto, quando a publicidade ultrapassa os limites da transparência e ética, configurando-se como enganosa ou abusiva, ela fere os direitos dos consumidores, podendo resultar em sanções legais para os anunciantes. A legislação brasileira, em especial o Código de Defesa do Consumidor (CDC), traz importantes mecanismos de proteção contra esses abusos.
O Conceito de Publicidade Enganosa
A publicidade enganosa é caracterizada por informações que não condizem com a realidade, induzindo o consumidor ao erro sobre a qualidade, quantidade, preço ou qualquer outra característica do produto ou serviço ofertado. O artigo 37 do CDC define como enganosa “qualquer modalidade de informação ou comunicação de caráter publicitário, inteira ou parcialmente falsa, ou, por qualquer outro modo, capaz de induzir em erro o consumidor a respeito da natureza, características, qualidade, quantidade, propriedades, origem, preço e quaisquer outros dados sobre produtos e serviços”.
Esse tipo de prática é extremamente prejudicial, pois compromete o princípio da transparência nas relações de consumo, um dos pilares do CDC. Quando o consumidor adquire um bem ou serviço com base em informações falsas ou incompletas, ele não pode exercer plenamente seu direito de escolha, sendo lesado no processo.
Exemplo Prático:
Imagine uma empresa de telefonia que oferece um plano ilimitado de dados móveis, mas, ao atingir um certo limite, a velocidade da internet é reduzida drasticamente. Embora o termo “ilimitado” seja utilizado, ele não reflete a realidade do serviço oferecido, o que configura publicidade enganosa.
Publicidade Abusiva: Ameaça à Dignidade Humana
Enquanto a publicidade enganosa lida com a inveracidade das informações, a publicidade abusiva é aquela que, mesmo sendo verdadeira, fere valores éticos ou a dignidade do consumidor. Ainda conforme o artigo 37 do CDC, considera-se abusiva a publicidade que “seja capaz de induzir o consumidor a se comportar de forma prejudicial ou perigosa à sua saúde ou segurança, ou que desrespeite valores ambientais, sociais e culturais”.
O foco aqui é o impacto psicológico e emocional que a publicidade pode ter sobre o consumidor. Anúncios que, por exemplo, estimulam o consumo de produtos não adequados para menores, ou que incitem o medo e a insegurança para induzir uma compra, são exemplos de publicidade abusiva.
Exemplo Prático:
Um exemplo clássico de publicidade abusiva envolve o uso de apelos emocionais extremos para vender produtos. Um comercial que sugira que, sem determinado produto, o consumidor estará socialmente excluído ou será malvisto entre seus pares é um exemplo de publicidade que explora inseguranças emocionais de maneira antiética.
A Proteção Legal e os Mecanismos do CDC
O Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078/1990), um dos marcos mais importantes na defesa dos direitos dos consumidores no Brasil, estabelece princípios claros para evitar a publicidade enganosa e abusiva. O artigo 6º do CDC garante como direito básico do consumidor o “acesso a informações claras e adequadas” sobre os produtos e serviços ofertados.
No que se refere à publicidade, o artigo 36 estabelece que a “publicidade deve ser veiculada de tal forma que o consumidor, fácil e imediatamente, a identifique como tal”. Esse princípio visa garantir que o consumidor saiba distinguir o conteúdo informativo da propaganda, evitando enganos.
Além disso, o CDC prevê penalidades para os responsáveis por práticas de publicidade enganosa ou abusiva, que podem incluir multas, a suspensão do anúncio, e até mesmo a devolução do valor pago pelo consumidor lesado. Empresas que infringem as normas do CDC podem ser processadas coletivamente, por meio de ações civis públicas, ou individualmente, dependendo do impacto causado.
Jurisprudência e Aplicação Prática
A jurisprudência brasileira tem vasto conteúdo sobre a questão da publicidade enganosa e abusiva. Tribunais em todo o país têm reconhecido a importância da transparência e da boa-fé nas relações de consumo. A decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ) no REsp 1.668.314 é um exemplo importante, onde uma operadora de telefonia foi condenada por veicular publicidade que prometia um serviço ilimitado, mas com restrições não informadas claramente.
Em outro caso, no REsp 1.277.073, uma empresa foi condenada por promover um sorteio de prêmios sem deixar claro as condições do sorteio, o que induziu os consumidores ao erro. Esses exemplos mostram que o Judiciário está atento à aplicação das normas do CDC no combate às práticas abusivas e enganosas.
O Papel da Autorregulação Publicitária: Conar
Além das normas legais, o Brasil conta com a atuação do Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária (Conar), uma entidade criada para promover boas práticas na publicidade e evitar abusos. O Conar atua por meio da fiscalização das propagandas veiculadas, e qualquer pessoa ou empresa pode denunciar um anúncio que considere abusivo ou enganoso.
Embora o Conar não tenha poder punitivo, suas decisões costumam ser acatadas pelas empresas, que retiram ou modificam os anúncios contestados para evitar danos à imagem da marca.
Doutrinadores sobre Publicidade Enganosa e Abusiva
Diversos autores analisam o tema da publicidade enganosa e abusiva nas relações de consumo, destacando sua importância para a proteção do consumidor. Cláudia Lima Marques, em sua obra “Contratos no Código de Defesa do Consumidor: o novo regime das relações contratuais”, analisa a questão sob o prisma do direito contratual, destacando a obrigação de transparência e a vulnerabilidade do consumidor diante de práticas comerciais abusivas.
Outro autor relevante no tema é Nelson Nery Junior, que, em sua obra “Código Brasileiro de Defesa do Consumidor Comentado”, comenta profundamente o artigo 37 do CDC, explorando as nuances entre publicidade enganosa e abusiva, e suas implicações jurídicas.
Conclusão
A publicidade enganosa e abusiva é um problema recorrente nas relações de consumo e, por isso, o ordenamento jurídico brasileiro oferece robustos mecanismos de proteção aos consumidores. O Código de Defesa do Consumidor estabelece normas claras e de fácil aplicação para garantir que as empresas mantenham a transparência e a ética na veiculação de suas propagandas. Além disso, a doutrina e a jurisprudência brasileiras reforçam a importância dessas normas e protegem o consumidor de práticas desleais.
A atuação de órgãos como o Conar, em conjunto com a legislação vigente, garante que o ambiente de consumo no Brasil seja mais equilibrado e respeite os direitos fundamentais do consumidor.
Referências:
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Autor: Diego Guerreiro Lopes OAB/SP:416.326.