Direito Trabalhista e Compliance

Impacto da 'uberização' deve ser preocupação de todos, não só da Justiça, diz presidente do TST

Lopes e Nono Advogados

É preciso regulamentar as novas formas de trabalho tendo em mente que o mundo e as relações sociais mudaram, mas sem perder de vista os potenciais impactos que serão gerados em toda a sociedade pela “plataformização” das atividades.

Impacto da 'uberização' deve ser preocupação de todos, não só da Justiça, diz presidente do TST

Essa interpretação é do ministro Aloysio Corrêa da Veiga, presidente do Tribunal Superior do Trabalho. Em entrevista à revista eletrônica Consultor Jurídico, ele afirmou que as novas relações de trabalho podem afetar a Previdência Social e que essa não deve ser uma preocupação apenas da Justiça do Trabalho, mas dos Três Poderes e de toda a sociedade.

 

“É preciso que haja uma preocupação com esse tipo de atividade. O que fazer com a Previdência Social? Com a segurança do trabalho? Em São Paulo, morrem dois motoqueiros por dia em acidentes de trânsito. O que fazer com isso? É preciso fazer algo. Os atores desse processo devem participar desse debate. É muito importante.”

O ministro disse que as principais preocupações de sua gestão serão a formação de precedentes e o aprofundamento da discussão de temas que considera pendentes, entre eles a aplicação da reforma trabalhista de 2017 em contratos já em curso. A matéria deve ser pautada ainda para este semestre, segundo o presidente do TST.

“É preciso estabelecer uma cultura do precedente e que isso vá para o inconsciente da própria atividade jurisdicional e da Justiça do Trabalho como um todo, atingindo, inclusive, os beneficiários, os advogados e todos aqueles voltados para a atividade jurisdicional”, afirmou o magistrado.

Ele também falou das reclamações que chegam ao Supremo Tribunal Federal em temas como uberização, pejotização e vínculo trabalhista. De acordo com Corrêa da Veiga, a Justiça do Trabalho teria condições de lidar com esses assuntos sem que as partes precisassem pular instâncias.

“É mais fácil eu esgotar as instâncias trabalhistas para ter uma decisão ou pular instâncias? As reclamações foram um per saltum, até nos casos em que só há decisão de primeiro grau. Então para a parte é mais simples: em vez de esgotar a instância trabalhista, que iria naturalmente solucionar o conflito, eu vou direto ao Supremo.”

Aloysio Corrêa da Veiga tomou posse como presidente do TST no último dia 10, sucedendo Lelio Bentes Corrêa. Seu mandato será curto: ele deixará o posto pouco antes de 1º de outubro de 2025, quando completará 75 anos. O magistrado foi vice-presidente da corte na gestão anterior, quando foram expandidas as medidas de conciliação.

ConJur — O senhor tem afirmado que a ampliação de precedentes será a prioridade de sua gestão. Por quê? E o que pretende fazer nesse sentido?
Aloysio Corrêa da Veiga — Não é mais possível na atualidade que casos iguais sejam julgados de maneiras diferentes. Caso igual precisa de uma solução igual, como crédito da atividade jurisdicional, como crença do cidadão no Poder Judiciário. O cidadão precisa acreditar no Judiciário. Naturalmente, com as decisões com força de precedente qualificado há, como consequência, segurança jurídica. O que é preciso na atividade jurisdicional é ter segurança, até para sinalizar à sociedade como ela deve se comportar.

É preciso que a sociedade saiba qual a força da lei no caso concreto, qual a interpretação da lei e como o Judiciário entende o valor da lei no caso concreto. Nós estamos vendo isso em outros lugares, inclusive no próprio Supremo Tribunal Federal, em que os temas e as teses são consagrados com efeito vinculante. E esses precedentes obrigatórios, de uniformização da jurisprudência, transformam o TST em uma corte de precedentes, e não de vértice. É uma corte de precedentes. Logo, as decisões teriam um caráter obrigatório e uma força qualificada para interpretar as questões trabalhistas.

 

É preciso estabelecer uma cultura do precedente e que isso vá para o inconsciente da própria atividade jurisdicional e da Justiça do Trabalho como um todo, atingindo, inclusive, os beneficiários, os advogados e todos aqueles voltados à atividade jurisdicional.

ConJur — Como o senhor avalia a aderência da Justiça do Trabalho aos precedentes do TST?
Aloysio Corrêa da Veiga — O comando legal traz um efeito a partir das decisões que são tomadas. E é preciso trazer como despertar da consciência que isso começa no primeiro grau de jurisdição. Primeiro, preciso ter o indicativo do que se está repetindo, quais são as controvérsias que têm sido repetidas no mesmo caso. E os próprios tribunais devem uniformizar sua jurisprudência e só vir para o TST a unificação da jurisprudência em nível nacional. Essa unificação fará com que possamos, por meio desses incidentes de demandas repetitivas, aprofundar determinados temas, abrir o debate e qualificar o debate. Trazer os interessados para que participem de audiências públicas. E isso trará, com certeza, a possibilidade de haver uma construção mais saudável da jurisprudência.

ConJur — Quais são os principais temas que estão pendentes de julgamento?
Aloysio Corrêa da Veiga — Um que está pendente é a questão do direito intertemporal. A aplicação da Lei da Reforma Trabalhista. E esta já está aguardando designação de pauta para julgamento. Eu sou o relator e o ministro Luiz Philippe Vieira de Mello é o revisor. Já pedimos a pauta para julgamento.

ConJur — Qual a previsão?
Aloysio Corrêa da Veiga — Agora, no segundo semestre. Ainda neste semestre.

ConJur — Em setembro, houve a inclusão de um inciso no artigo 41 do Regimento Interno do TST prevendo que passa a ser de competência da presidência da corte a admissibilidade prévia de recursos de revista e agravos de instrumento. Somados, foram quase um milhão de recursos e agravos no ano passado. Como isso funcionará na prática, levando em conta esse volume de pedidos acumulados?
Aloysio Corrêa da Veiga — Os processos muitas vezes são repetidos, há uma repetibilidade de temas. E os processos muitas vezes chegam com defeito formal: deserção, intempestividade, irregularidade de representação, por exemplo. São questões formais que impedem a tramitação do recurso. Essa primeira análise feita pela presidência tira uma quantidade imensa de processos dos ministros, que teriam de examinar todas essas questões. É uma perda de tempo muito grande e o processo está lá, sem condição de prosseguimento. O objetivo é desafogar os gabinetes, em vista do princípio da celeridade, com a razoável duração do processo. Se não vira uma via crúcis que não termina nunca.

 

ConJur — Sua gestão criou a Secretaria de Gestão de Processos para fazer essa triagem. Como ela será feita?
Aloysio Corrêa da Veiga — A primeira admissibilidade de recurso será feita pela presidência do tribunal, por uma secretaria com especialização, para procedermos essa triagem e examinarmos com segurança esse processo todo. Isso dará muito mais agilidade, com toda a certeza. Espero um volume muito grande de processos por mês examinados nessas condições.

ConJur — Hoje, por vezes, a Justiça do Trabalho precisa pinçar trechos de diferentes normas em suas decisões. Um código de processo próprio poderia ajudar a chegar à previsibilidade esperada?
Aloysio Corrêa da Veiga — Esse código é uma expectativa antiga. Já houve vários projetos nesse sentido. E não vingaram. Agora reafirma-se a ideia. Foi uma iniciativa da Academia Brasileira de Direito do Trabalho, capitaneada por vários acadêmicos, inclusive o ministro Alexandre Agra Belmonte é presidente da academia. Foi o desembargador aposentado Manoel Antônio Teixeira Filho um dos mentores desse novo Código de Processo do Trabalho. Isso depende da vontade política da casa legislativa. Com ele, teríamos um documento único para concentrar os esforços e dar seguimento aos procedimentos na Justiça do Trabalho.

ConJur — A Emenda Constitucional 45, que completou duas décadas neste ano, prometeu, entre outras coisas, ampliar a competência da Justiça do Trabalho. Mas a interpretação de parte dos especialistas é de que a promessa não foi cumprida e a competência, ao contrário, diminuiu. Qual o seu diagnóstico?
Aloysio Corrêa da Veiga — A Constituição Federal traz o conteúdo da atividade jurisdicional da Justiça do Trabalho. Ou seja, ela é que trata da competência material da Justiça do Trabalho. Ela estabelece, com todas as letras, que compete à Justiça do Trabalho julgar os conflitos oriundos da relação de trabalho, que não é tão somente a relação de emprego. A atividade produtiva já é trabalho. E essa, a própria Constituição diz que compete à Justiça do Trabalho analisar. Não há propriamente uma restrição, no sentido de que não cabe mais à Justiça do Trabalho julgar isso ou aquilo.

 

ConJur — Nos últimos anos, as reclamações superaram os Habeas Corpus em volume, muitas delas envolvendo temas trabalhistas, como terceirização, uberização e vínculo empregatício. Qual sua leitura dessa explosão de reclamações?
Aloysio Corrêa da Veiga — É mais fácil eu esgotar as instâncias trabalhistas para ter uma decisão ou pular instâncias? As reclamações foram um per saltum, até nos casos em que só há decisão de primeiro grau. Então, para a parte, é mais simples: em vez de esgotar a instância trabalhista, que iria naturalmente solucionar o conflito, eu vou direto ao Supremo.

ConJur — Em tribunais como o STJ, a admissão é mais restritiva…
Aloysio Corrêa da Veiga — Em se tratando de tese e tema do Supremo, admite-se a reclamação per saltum. Mas, na Justiça comum, ela tem uma característica: o recurso especial é interposto em conjunto com o extraordinário. No caso do TST, é preciso esgotar a Justiça Trabalhista para abrir a cognição para o extraordinário. Então é preciso julgar o recurso no TST. Decidido no TST, aí segue o recurso extraordinário. Nós poderíamos, aqui, exercer essa função e evitar muitas reclamações.

ConJur — Com as novas relações de trabalho, surgiu a flexibilização de direitos, não só os garantidos na CLT, mas também na Constituição. É possível equilibrar as novas formas de trabalho com a manutenção de direitos?
Aloysio Corrêa da Veiga — Em 1890, o mundo vivia de uma forma. Em 1950, de outra forma. A mudança de 1890 para 1950 não foi tão grande assim, mas de 2000 para 2024 a mudança foi violenta. Hoje muito acontece na área da tecnologia da informação. Nos algoritmos. O mundo mudou. E o mundo do trabalho também mudou. Hoje temos a plataformização. A maior empresa de transporte urbano do Brasil e do mundo, a Uber, não tem nem sequer um veículo. É um algoritmo apenas. Essa mudança do mundo faz com que as relações sociais também mudem, e a regulamentação das relações sociais precisa atender a esse tipo de manifestação.

 

Em uma situação assim, o ideal é o contrato formal de trabalho como visto em 1943? Tivemos algumas questões tratadas na CLT que desapareceram com o tempo. Havia um capítulo na CLT para tratar de trabalhos que não existem mais. É preciso que as regulamentações tragam a consciência de uma sociedade que é cooperativa. Nós temos um mundo que precisa ser dividido com todos.

A Previdência Social é contributiva, e todos têm de participar disso. Se não chega o fim da vida, a pessoa nunca pagou nada, aí vem o Estado e garante. Quem está pagando? Todos. É preciso que haja uma preocupação com esse tipo de atividade. O que fazer com a Previdência Social? Com a segurança do trabalho? Em São Paulo, morrem dois motoqueiros por dia em acidentes de trânsito. O que fazer com isso? É preciso fazer algo. E também é preciso pensar a questão da conexão e da desconexão. É possível regular o tempo de trabalho? Tem de ser regulado ou envolve o princípio da autonomia da vontade? Eu pego um motorista de Uber que está trabalhando há 36 horas porque precisa do dinheiro, mas e a segurança dos passageiros? Tudo isso nós precisamos enfrentar. Não é criar preconceitos. Nós temos de enfrentar tudo com liberdade.

 

ConJur — Recentemente, o ministro Flávio Dino, do STF, disse que as novas relações de trabalho vão criar uma “bomba fiscal” no futuro, envolvendo, entre outras coisas, a Previdência. Essa é uma preocupação da Justiça do Trabalho?
Aloysio Corrêa da Veiga — Essa é uma preocupação que tem de ser do Direito, e não da Justiça. A Justiça é um órgão do Poder Judiciário que vai definir esses conflitos sociais. Aí temos os Três Poderes da República envolvidos nessa história. O Legislativo precisa regulamentar. O Executivo precisa dar condições de atuação. Já o Judiciário é chamado para dar jeito naquilo que não tem jeito. Quando tem briga, chama o Judiciário. Mas precisamos enfrentar esse tema. Com lealdade, segurança e transparência. Os atores desse processo devem participar desse debate. É muito importante.

 

ConJur — A Justiça protege o hipossuficiente, o consumidor, as minorias. O interesse do trabalhador deve prevalecer sobre o da empresa?
Aloysio Corrêa da Veiga — Quem protege é a lei, e o juiz interpreta a lei. Quem protege o hipossuficiente é a lei, assim como protege o menor no Direito de Família. O juiz não pode inventar. A Justiça tem um chamado à imparcialidade. O que notabiliza o Judiciário é a independência, a imparcialidade e a integridade dos julgadores. É isso. Agora, toda a questão com relação a como eu interpreto a lei em benefício do mais fraco, isso a lei dá o comando. Eu não posso inventar.

ConJur — Existe uma divisão entre a Justiça Trabalhista tradicional e a Justiça do Trabalho moderna?
Aloysio Corrêa da Veiga — Isso não existe. Existe a Justiça do Trabalho. E nessa, estamos firmes na defesa das prerrogativas que a Constituição garante.

 

ConJur — Quando o senhor estava na vice-presidência, expandiu a conciliação no tribunal. Qual a importância desse trabalho?
Aloysio Corrêa da Veiga — É preciso estabelecer outra cultura. A cultura atual é a da decisão judicial. O juiz decide. É preciso que o juiz ouça as partes e, por esse acolhimento, empodere as partes para que elas mesmo decidam. No momento em que se entender que é possível a conclusão da disputa por meio da conciliação e celebrar, pela autonomia da vontade, a solução do conflito, isso aprimora a sociedade.

ConJur — A conciliação na instância especial funciona bem?
Aloysio Corrêa da Veiga — Funciona. Tanto é que no ano passado nós criamos o Cejusc (Centro Judiciário de Métodos Consensuais de Solução de Conflitos) no âmbito do TST e, em menos de um ano, celebramos acordos de mais de R$ 1 bilhão. Se a sociedade pudesse entender os benefícios da conciliação seria outra coisa. É o Judiciário promovendo esse encontro, com a possibilidade de ouvir as partes. A conciliação está em curso no país inteiro. Os Cejuscs estão funcionando em todas as instâncias. Em 2023, foram R$ 7 bilhões em acordos celebrados na Justiça do Trabalho. Só de recolhimento previdenciário, foram R$ 630 milhões. Vale a pena. Isso resolve. Foram 122 mil processos extintos por conciliação. Isso retira da Justiça o litígio.

Matéria: Conjur

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